segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ímã

Deixa o tempo,
com seu 'm' de imã,
levar o 'm' de mágoa
E tudo passar
como água

Franqueza

Ser franco é estar descalço 
na cidade de cimento e cacos de vidro
Da janela do oinbus vê-se um mazelado
E, de fato, é como estou:
_Minha chinela quebrou

sábado, 30 de agosto de 2014

Desculpe

Quando você me viu
Eu estava solitário
Quando você me viu
Meu brilho ofuscado
Quando você me viu
Meu olho apagado
Quando você me viu
Eu estava do outro lado
Quando você me viu
No canto escuro do muro
Quando você me viu
No meu peito fazendo um furo
Quando você me viu
Um aperto que eu não aturo
Quando você me viu
Minha estrela se fechou

terça-feira, 20 de maio de 2014

O AMANTE

Eu não sou de nenhum lugar
Eu sou da farsa, sou do ar
Do começo, do tropeço
minha raiz é flutuante
minha raiz é flutuante
minha raiz é flutuante

Não sou eu quem vai carregar
O peso leve de um laço
O castigo de um abraço
Eu sou o amante
Eu sou o amante
Eu sou o amante

Desde logo te aviso:
Não sou como Lancelote,
Que num canto se demora
Eu sou homem que chegou e foi embora
Eu sou homem que chegou e foi embora

Porque eu só vim pra alertar
Fugir é o mesmo que ficar
no mesmo canto
Não se negue tanto
Não se negue tanto
Não se negue tanto
Não se negue tanto

(...)

Era uma vez uma praia deserta. Eu nunca consegui ir lá, porque quando chegava ela já não era.
Jadiel Lima, 23h38, 20 de maio, 2014

terça-feira, 13 de maio de 2014

O olfato e o afeto

Se você é uma pessoa comum que pega ônibus diariamente para ir ao trabalho ou aos estudos, com certeza naquele horário de pico já se viu na desconfortável situação de estar ao lado de alguém com um odor característico forte na região das axilas. Vulgo sovaqueira. Começo de noite, quinta-feira, lotação básica. De repente você nota que tem algo errado no ar. Morrendo de medo de ser em ti mesmo, dá uma fungada discreta no canto do braço. Não é. É no cara ao lado, que está como você, em pé, se apoiando nos bancos. Ao menos isso, pois até aí os braços dele não estão muito abertos. Mas aí ele inventa de erguer as mãos e se segurar naquele corrimão na parte de cima do coletivo, para o desespero alheio. Você pensa em avisá-lo, xingá-lo, atirar-lhe desinfetante. Porém tudo isso pareceria mais escroto ou constrangedor que a própria realidade daquela atmosfera, então sua única ação é a de se proteger, tentar não encostar nele e seguir a viagem.

Ufa! Finalmente você desce do ônibus, volta a respirar o ar fresco ainda não muito agradável da cidade e se indaga porque uma pessoa dessas não se lava, usa desodorante. É a pergunta mais óbvia que nos vem à mente. Particularmente, também penso nesta: E quando não existiam desodorantes ou perfumes?
Imagina os nossos ancestrais, quando o ser humano era apenas sapiens ou nem isso. O quão mais forte era a nossa nhaca? Talvez o cheiro fosse usado como forma de seleção natural. Somente os indivíduos que não sufocassem o parceiro conseguiriam acasalar e procriar saudavelmente.

Brincadeira. Na verdade, acho que alguns dos odores do nosso corpo hoje são bem piores que no passado, tanto por uma questão ecológica — já que cada vez mais somos atacados pelos hormônios e produtos químicos na nossa comida ou produtos de higiene, pela poluição e pelo estresse da vida moderna — quanto por uma questão de costume.

Diferentemente dos antepassados selvagens, que provavelmente utilizavam mais esclarecidamente o olfato para a identificação territorial, sexual, etc, nós hoje negamos quase completamente o nosso cheiro. Desde que nascemos, passamos pelo processo de acobertamento das nossas essências naturais através do sabonete, do shampoo, do condicionador, dos cremes para pentear, pastas de dente, talcos, dos perfumes e colônias.

Mas as coisas no universo funcionam de forma compensatória. Ou seja, no que essa nossa artificialidade nega, também afirma muita coisa. Por exemplo, você se lembra quando o cheiro do seu corpo começou a ficar mais forte, lá pelos onze anos, já perto da puberdade e você foi coagido a usar desodorante? Suas axilas, assim como a de seus colegas tinham, um aroma meio enjoento, mas não era tão desagradável, certo? Convenhamos, era até um cheirinho bom, principalmente o dos ou das colegas do sexo oposto (exceto o do Amoeba, que era como a galera da minha sala no Fundamental chamava um menino que tinha manchas esverdeadas abaixo do braço, na farda). Pois é, não negamos de todo. Ou você também não já cheirou aquela cerinha do ouvido? Ou não já levou o dedo às narinas após a coçadinha no rego? E ninguém se intoxica ou vomita depois disso. Aliás... Nós gostamos!

Não negamos de todo pois nossos cheiros são o que guardamos talvez de mais instintivo. Sim, o olfato é o nosso sentido mais profundo. É através dele que acessamos as memórias mais abstratas e incompreensíveis. Você guarda lembranças de aromas que sentiu de determinadas pessoas, comidas ou objetos em épocas específicas da infância. Quando você detecta algo parecido, isso imediatamente te remete àquela memória, mas você nunca lembra exatamente como era. Porque não é imagético, não é claro ou racional.

Você está caminhando na rua e não nota estar com fome até sentir o cheiro de almoço de alguma casa ou restaurante. Não surte o mesmo efeito se você apenas olhar o prato de alguém.

O cheiro também nos segrega socialmente. Os perfumes mais intensos e de melhor qualidade são mais caros. Pode parece só um detalhe, mas inconscientemente ou não as pessoas recebem melhor quem se veste em um aroma agradável e autêntico. Talvez isso um perfume francês conte mais que uma roupa de grife. Locura, né? O mercado sabe e age dentro disso.

Os olores diferenciam também situações sociais. Para sair à noite é necessário ir “para casa tirar o cheiro de sol”, como dizia minha mãe, e se perfumar todo. Há quem saiba jogar com isso e discernir perfumes para diferentes ocasiões. Ou quem também saiba que cada perfume toca o nariz de alguém diferente e se pinte de gostos específicos.

E há cheiros que te tocam, querendo ou não, e com os quais você vai se harmonizando ao longo da vida. Reconheces aquele macio, de horta, de areia fofa úmida, que é o da sua da mãe; também aquele leve, casquento e antigo de livros, que é o do seu pai; aquele outro, perturbador, de toalha molhada dentro de casa depois da chuva, característico do amado ou da amada. Aromas que você coleta na convicência através de um belíssimo gesto: o cheiro! Fui criado num contexto onde o ato de cheirar é cumprimento, demonstração de carinho. É como se o gesto comunicasse um “sentir o seu cheiro me faz bem” ou no mínimo um “eu não me importo”. Este último é ainda mais maravilhoso.

_Não, o meu cabelo está fedendo, eu passei o dia correndo no meio do mundo... — a pessoa reclama e você a cheira mesmo assim, porque realmente não se importa e isso não anula a outra sentença de que sentir o outro lhe faz bem.

Mais que tipificar estéticas, o olfato é uma linguagem que nos permite compartilhar afetos e de uma maneira muito profunda. Às vezes é importante saber se comunicar melhor através dele. O que custa agradar de vez em quando? No entanto, nada mais gratificante que reconhecer e aceitar os nossos aromas naturais, nossas identidades, a bagagem subjetiva que carregamos através deles. Abdicar das superficialidades artificiais olfativas do mundo contemporâneo e nos perfumar com a nossa naturalidade, nossa ancestralidade.

Boa sorte, cara do ônibus.



sábado, 3 de maio de 2014

GULA

A pessoa engoliu o mundo, pensando que o comeria sozinha. Mas desde a saliva até o estômago e depois pelo intestino, as enzimas, as bactérias e outros seres do organismo foram digerindo, absorvendo, enfim, repartindo o alimento dentro da pessoa.

Até o mundo provou de si próprio, involuindo como se partisse pra outra dimensão. Aliás! O que se comeu dele foram apenas seus restos que ele deixou para trás, e o seu mistério. Safado...

Mas comeu-se dele. Comeu do mundo o que fosse dele, quem fosse do mundo, tudo o que fosse um — sabendo ou não — a pessoa também era mundo.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sonhos pequenos — muros altos

Jadiel Lima

























Com a pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ficou mais clara a densidade  e abrangência do machismo no modo de pensar dos brasileiros. A pesquisa revela que há uma predisposição de grande parte das pessoas a  justificar mais que um crime: o total desrespeito à  liberdade de ser e agir das mulheres. Mas esse estudo também mostra contradição no discurso dessas mesmas pessoas.

O dado mais comentado do documento foi o de que 65% dos 3.810 entrevistados pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Ipea  concordaram  com  a  afirmação  “mulheres que  usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O impressionante é que 91% das pessoas entrevistadas também concordaram que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”.

A mudança de posicionamento parece se dar por algum tipo de constrangimento. Está mais clara, ao senso comum, a noção de punir a violência física contra a mulher. A lei Maria da Penha já foi  bastante  disseminada, mesmo que o medo e os maus-tratos continuem dentro da realidade de muitas  mulheres. Mas é algo mais fácil de se concordar. Está menos claro que as mulheres possam se vestir como queiram, que as mulheres tenham autonomia sobre si mesmas, que as mulheres possam expressar sua corporalidade sem problemas. É uma questão de valores.

E os valores vigentes no senso comum não permitem nada disso. São princípios que alimentam apenas sonhos pequenos e que não visam a liberdade ou sonhos grandes. São valores fundamentados para  que  não se  tenha  liberdade,  afinal.  São pensamentos e projetos mascarados com as palavras progresso, ascensão e melhoria de vida, mas que só estimulam o mundo a seguir no mesmo curso. Simplesmente mantém as coisas como estão.

O mundo está cheio desses sonhos pequenos.  Consumismo, individualismo, conformismo, falsos paraísos. E por serem modos de pensar e agir pequenos e simplórios, os problemas cotidianos serão resolvidos à mesma maneira, a de contornar a realidade, sem estuda-la reflexivamente, sem enfrenta-la. Os sonhos pequenos estão, por exemplo, nos muros altos dos condomínios, nas cercas elétricas, na super vigilância.

Quem sonha pequeno, há de condenar quem sonha alto. Por inveja, ou por motivos de correção. Quem falou que se pode sonhar grande? Quem não é livre não consegue aceitar que o outro seja. Aliás, o ser livre ou o ser que se expressa livremente parecerá, à imensa maioria apegada aos seus valores morais, um inconsequente, será taxado de vadia e por isso deverá ser punido, ser mal-tratado, ser violentado, ser estuprado.


Os sonhos pequenos, se vê, estão também na moral machista. Esta moral, engessada nas mais variadas e escrotas justificativas, quer preservar suas repressões e prosperar a opressão da macheza sobre a feminilidade. Os sonhos pequenos estão no medo do ser de se afirmar e de criar e brincar com a sua liberdade, no medo de derrubar os muros altos que o mantém reprimido. Estão no querer trazer pra detrás dos mesmos muros quem venha a ter coragem de afirmar o seu modo livre de ser.

domingo, 2 de março de 2014

Lágrimas de areia

A cobrança é como uma peteca. Mas não é uma peteca comum. Quando o jogo é uma disputa, ela é como uma bola de meia à qual os jogadores adicionam areia cada vez que a recebem e depois arremessam de volta. Metáfora meio confusa. Poderíamos associá-la ainda ao jogo batata-quente. No caso, é batata-fria.

Quem começa? É esta uma pergunta extremamente importante, porque sendo que quando um não quer, dois não brinca, a pergunta é feita mesmo assim, pra saber em quem por a culpa. É uma pergunta interessante pois deveria ser desnecessária.

Tendo começado, o jogo de pesos vai se seguindo, testando quanto cada um aguenta, quanto mais cada um consegue encher a peteca. Disputávamos ela e eu. Eis aqui um jogo enfadonho. Impacientes, queremos abandoná-lo o quanto cedo. Ninguém sabe quando é o início ou do que se brincava antes. Acho que antes nós brincávamos, apenas.

Eis que já aborrecido ponho toda a areia que consigo na bola de meia, já enorme, e me esforço em arremessá-la na direção da garota. Agarra, tropeçando e caindo para trás. Pensei convencido que ela se daria por vencida e eu poderia ir embora do jogo.

Julguei que me desvencilharia da jogatina facilmente e que não haveria de me preocupar. Mas ela, que estava lá, machucada, sentada num canto, com a peteca - que lhe pesava no colo - juntou as forças restantes e arremessou-me a peteca de volta.

Desta vez, eu agora curvado no chão. Meu um olhar de derrota e o dela arrependido. Ela no entanto fazendo valer seu intento: fronde reerguida, coluna ereta.

Eu derrotado no chão, com 1 tonelada - que ainda faço aumentar - e mesmo agora, compreendendo o jogo, de audácia me ponho a pensar que a culpa foi dela. Arremessar de volta? Não há pra quem. Eis uma evidência da inutilidade de uma resposta apenas existir: tudo depende do estalo da ação. Que no caso não é estalo, nem atividade.

Derramar toda a areia, em lágrimas...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nuvem é tipo amor
Parece triste pela cor
Mas quando o cinza desce
O que é verde envivece
O mundo se enche de flor

Jadiel Lima

Na minha

Meu pandeiro é minha cachaça
Pode parecer sem graça
Mas é tocando que eu sinto a diversão

Eu tocando meu pandeiro
Faço esse bar inteiro
Se empolgar numa canção

Olha, tanta gente se estraga
Pra se acabar ou tirar mágoa
Não vejo futuro não

Mas não é a bebida que faz isso
É o coração omisso
Ao amor e à emoção

Meu pai sempre bebeu
Nem por isso me bateu
Adoeceu ou passou mal

Aliás, olha que vida:
Me ensinou que a bebida
Só ajuda o seu astral

Então, cada um vai vendo a sua
Com cuido vem pra rua

Vai começar o carnaval!

Jadiel Lima, 15 de jan 2014.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Pica

início de 2012

Pica pra arte que complica
ditadura e seus afins
Pica pra cultura esnobe
que exclui os bons e acolhe os ruins

Não, não venha me dizer
que é questão de opinião
Pois sei que a panelinha quer
nos colocar no caldeirão

Pica, eu sei que eles gostam
e se lambuzam atrás do muro
Mas um dia eles se rebelam
desse orgasmo sem-futuro

Pica, picada, picareta,
picolé, pica-pau
Pica ansiando dar carinho
Para quem lhe trata mal

A FRUTA

novembro de 2013

Eu fui naquele pé
Ver se tinha sapoti
Mas o bixo era alto
E não consegui subir

Também fui no cajueiro
Mas só tinha caju ruim
Quando parecia inteiro
Era mordido do soím

Arrudiei todo esse mato
Como quem pede esmola
Não achei nem tangerina
jambo, manga ou acerola

Fui no pé daquela moça
E lhe disse minha dor
Estendeu as suas mãos
E me deu foi uma flor

A flor murchou e virou fruta
A fruta a gente comeu
E da semente que plantamos
Foi nosso amor que nasceu

Crianças

Tem aquela galera que dá graças à Deus pelo que faz, né? "Na verdade essas coisas que eu faço vêm de Deus, eu apenas as executo...". Dizer isso é mais audacioso do que assumir as coisa que faz – pô, o que eu faço são criações divinas! Já tem os que desprezam o que fazem, à procura de um elogio que supere a falsa expectativa:
_Olha o que eu fiz, tá uma merda, né?

Dá vontade de dizer:
_Você tem que cuidar das coisas que cria. Você não gosta das coisas que cria?
_Gosto...
_Então?... As coisas que você cria vêm de vários cantos. Quando não são de ninguém é por isso que elas são suas. Você tem que fazer as coisas serem de ninguém. Como se faz isso? Misturando-as, nas mais diversas matizes. Quanto mais misturadas, mais de ninguém elas serão. E quanto mais de ninguém, mais de todos elas serão. – Já me disseram isso, na verdade. “Você é responsável pelas coisas que cria”. Eu até briguei com ele, por não entender. Ele tava me falando de arte pública.

A arte pública é tão esperta. Ela sabe brincar com vários e diversos. Porque ela chama pra brincar junto. Já ouvi outra pessoa dizer também que "o ator de rua é diferente do de teatro burguês. O ator de rua não é bom quando é virtuoso. É bom quando provoca as pessoas a fazerem teatro junto com ele". Acho que foi algo assim que meu velho estava conversando com o véi-do-cabelo-branco. Velhos jovens, criadores do Movimento Escambo Livre de Rua, movimento de quem quer ser dele.

E é na brincadeira. Eu só sei criar quando brinco. Quando desperto minha criança e vou fazendo e cuidando as minhas crianças  seres de se criar. A gente cria brincando e cuidando.

Se eu só fiz uma coisa, eu tenho que cuidar é dessa. É que nem uma pessoa. Se só uma pessoa quis ser sua. Pô, só tem ela. Ela é a única opção e a única chance. Chance de quê? Aí depende da sua verdade. Mas o desprezo é sempre mentira. É ignorânça. Não é aprendizado. Gostar se aprende, convívio. Se você tá esquentado, deixa ela começar a te provar pelos cantos. À mostra, camada por camada vai esfriando junto com a atmosfera. É tipo comer uma canjica (obs: quando servida num prato). Bem quentinha, a gente começa pelas beiradas.

E você faz o mesmo. Tanto pra ela quanto pra você, é a única chance de se fazer realizar. E não se engane: se são várias, é uma de cada vez. “Uma graça de cada vez”, ensina o palhaço. O cérebro humano é assim. Quem sabe um dia eu encontre um paradoxo que valide o ‘ménage’. Deve ser só fetiche mesmo...