quarta-feira, 6 de abril de 2016

Na sua página dá pra ver sua pessoa

Página Histórias que Crio Quando Olho pro Nada 
A arte reside na nossa necessidade diária, mensal ou aperiódica de expressar, de conversar consigo mesma, de conversar com as outras pessoas de uma forma menos direta, menos robótica, menos acadêmica ou menos séria no mal sentido.

Gosto muito de conhecer trabalhos, ações, brincadeiras que prezem mais por essa necessidade pessoal que por as outras necessidades que o cotidiano recobra - por exemplo, fazer da arte produto artístico, como os adornos utilizados nas publicidades e propagandas. 

O profissional (bom) tem de se polir muito para que leve a público só as boas imagens, para tornar a obra pontual, discreta e efetiva. Isto também tem seu valor: a ideia de que menos é mais pode limpar nossa vista para um caminho de coerência. No entanto, esse pensamento é também causa de restrições, podem acabar esvaziando de sentido a nossa prática. 

As nossas manifestações não podem se pautar pela estética, elas podem incorporar a estética para ampliar alcance, como também não o podem, para gerar outros efeitos. As nossas manifestações têm um significado bem mais profundo que o uso de mercado, elas são a nossa fala profunda, a nossa ancestralidade, a nossa criatividade, a nossa integridade, o nosso sentimento, o nosso afeto por si mesmo/pelo mundo.

Elas são a nossa maneira intuitiva, muitas vezes inconsciente, de organizar nosso corpo e nossa mente, as duas partes de nós que nunca se separam. Por isso mesmo que elas não são (ou não deviam ser) privilégio de nenhum grupo.

Com a popularização das redes de Internet está mais recorrente utilizarmos as páginas de um modo pessoal, publicizando nossas próprias estórias. É um movimento bonito, apesar que ainda muito dependente de plataformas sobre as quais não temos controle nem voz de decisão. Publicamos conteúdo independente em plataformas nada independentes, ligadas, na verdade, à motriz empresarial do capital financeiro.

De todo modo, o Facebook e as demais redes de Internet abriram caminho para essa possibilidade ingênua no bom sentido, de jogar no mundo ideias escritas a lápis de cor, abrir-se para as outras pessoas por meio de nosso caderninho de anotações sem a necessidade de que isto se adeque a este ou aquele padrão. Isso é valioso. É o alimento da alma assumindo sua crudez.

Recado à autora da página Histórias que Crio Quando Olho pro Nada e ao autor da página Ponto de Inflexão.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Qual a razão da vida?
A razão! É a vida!
A razão de viver é a vida.
E a humanidade no nosso entorno.
Porque não é tão bom viver sozinha.
É bom sempre muita gente ao redor.

Oratória de Regina Lima.

Pé de mato

Novembro de 2015

Mais forte que o concreto 
É o pé de mato resistente
Mais forte do que a margem
É do rio sua nascente
Mais forte que o costume
importado do ocidente
e o pensamento europeu
que embranquece tua mente
É o balanço silencioso
do corpo
A redondidade da fala
nossa vogal
A nuca não civilizada
do cabelo espiral
Tudo o que esquecemos de cantar:
nosso ritmo latente
Beleza outra que encobrimos
com a branquitude aparente
Mas que ninguém pode conter
No fundo cada qual sente:
É muit'é nêga nossa gente!


Jadiel Lima

Coisas de meses passados

Vasculhando papéis encontrei esta minha. Já tinha me esquecido:

Por mais que eu peça perdão
me arrependa da memória
tua presença me rejeita
pelo quê meu peito chora
Quando tento uma alegria 
compartilhar como outrora
teu sorriso se desfaz
pedindo que eu vá embora
Mas se me fecho, me afasto
aceitando esse teu fora
logo teu assunto chega
não cessando a história
Pois é nesse vai-e-vém
em que meu inferno mora

Vasculhando o pc encontrei esta maravilha exclamativa de autoria de Hades Filho:

amor(es) meu(s)
que saibam
sou sóbrio nas falas
ébrio nos carinhos
desconfio dos corpos calados
dos amores abarrotados
de falas
e vazios 
de toque
não me desperdice com beijos mornos
arranque logo pedaços
não me cerque
de universos rasos
sempre corro
pra longe
viro outro
porque o tempo é breve
e a fome do mundo
não cabe em mim

-Hades Filho

sábado, 26 de março de 2016

Amaré

Avisardelhalhe-eis que também estou postando em um blog mais conceitual e excêntrico, o Amar é Bicho. É tão gourmet e underground que quase ninguém vai lá. A fanpage no Facedrugs soma 3 acompanhantes:

http://amarebicho.wordpress.com

Também tem coisas no Soundcláudio. Dê uma olhada/ouvida!

É difícil se perceber em tempo real. Os diários, ou o blog, no meu caso, ajudam a se perceber em tempo real (porque escrever as vezes é isso) e a longo prazo, quando volto aqui para ver algo que escrevi. Se ainda serve, se não serve mais, se não foi feito pra servir...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Cenopoesia: caminhos pelo hibridismo

Em que ponto a estética interessa à cenopoesia?
Jadiel Lima

Entendemos História em Quadrinhos como uma arte híbrida por ela envolver mais de uma linguagem: a verbal e a imagética. Do ponto de vista da criação, uma história em quadrinho pode ainda explorar referências e estilos de diversas linguagens e áreas de conhecimento, como cinema, fotografia, design e arquitetura.

Por esse motivo, a qualidade do quadrinho depende da desenvoltura de cada linguagem. Não que as linguagens sejam utilizadas de maneira fracionada. Pelo contrário, cada elemento da HQ fica em função do outro para criar algo terceiro: a HQ.

Os textos dos balões ficam mais interessantes se escritos sob medida. Uma palavra a mais ou uma frase sem coesão podem atrapalhar o tempo de uma piada ou prejudicar o andamento da história. Pode ocorrer de a poética dos desenhos não ser comtemplada pelo texto verbal. O domínio da escrita influi bastante.

De outro lado, o desenho e as imagens surtem melhor efeito quando as cores e o sombreamento são bem usados, quando os traços dão naturalidade às personagens e aos “movimentos”, quando a perspectiva não dificulta o entendimento do cenário e os quadros estão organizados de modo a não sufocar o texto.

O conceito de cenopoesia invoca, igualmente, uma ideia de hibridez, mas não apenas em relação às linguagens. Ela é híbrida de gente. Ela só faz sentido mediante vivência compartilhada, num contexto onde cada pessoa contribua com expressão, ideia, voz, corpo, energia.

O hibridismo de linguagens se dá em função do que cada pessoa tem a dizer, seu “repertório humano”, ou seu repertório, simplesmente. Se dá também em função da própria ideia de que as linguagens não existem separadamente.

Esta ideia não é nova. Afinal, tudo não sempre foi assim? O tambor unido a canto e dança, a festa acompanhada de culinária, o teatro cantado fantasiado com máscaras, a pintura na parede feita com as mãos no barro... Indo mais adiante, a escrita, por exemplo, é som e imagem por si só.

A novidade, ou pelo menos o que a cenopoesia propõe é trazer esta ideia à consciência, fazer da arte e da mistura, ação: poema vira poesia na voz, no corpo. A cantiga vira palavra. A imagem é táctil, na roda, na dança, no carinho, nas fantasias.

A cenopoesia é necessária não apenas dentro de seu próprio campo, quer dizer, ela não serve somente a quem reivindica seu conceito e sua prática como tal. Ela serve também como provocação e guia para desvencilhar as barreiras que se concretizaram na arte graças à mercantilização da cultura que separa teatro de dança, música de poema, etc. Barreiras discursivas (de linguagem para linguagem) e sociais: fundamentalmente, “todo ser humano é criativo”, o foco não está mais no produto, mas sim na comunicação, na relação entre as pessoas e das pessoas com o ambiente.

Como seria construir uma HQ dentro deste viés? É comum pensar HQs em novas plataformas (as HQs de Web utilizam linguagens animadas como Gif e áudios), em interação (deixar um quadro ou balão em branco para que o leitor escreva algo). Porém de que forma quadrinistas estão fazendo este exercício do ponto de vista do conteúdo? Por exemplo, fazer um quadrinho documental sobre uma comunidade e convidar pessoas do local a refletir sua história, escrevendo argumentos ou roteiros. O discurso passa a acompanhar um contexto, fazendo-se ação, e o limiar entre artista e espectador fica mais estreito. 

Por nascer no ambiente da arte pública, a cenopoesia não trata de produto. Ela pode ocorrer tendo por base um produto (roteiro, espetáculo, ato-show, livro). Porém não se pretende resultado ou produto final, ela se manifesta e se desenrola a partir da espontaneidade.

Por não ser produto, a qualidade e as preocupações estéticas vão interessar à cenopoesia de maneira diferente do que o corre com uma HQ, por exemplo, num contexto em que a HQ é submetida a avaliação dentro do mercado editorial. A qualidade que, a princípio, importa à cenopoesia está no potencial criativo e reflexivo do ritual ou do ato, em ato. O que se produz é o que fica em cada pessoa, o acontecido e as inquietações, as provocações, os aprendizados para o dia-a-dia conseguinte.

Este valor tem mais importância que o valor da qualidade estética, do ajustamento técnico. A técnica faz sentido se entendida como uma forma de cuidar dos detalhes. Perder os vícios e os maus costumes dentro das linguagens. Caminhar para a simplicidade. Esse desenvolvimento é inerente ao fazer e à necessidade de quem faz de fazer bem. 

Neste sentido o estudo e o esforço pelo aprendizado em cada uma das linguagens de interesse à (ao) cenopoeta. Sem esta desenvoltura, sem essa facilidade para articular ideias, imagens, movimentos, também não há ritual e a intuição, frágil, não se faz intenção. De outro lado, arte com intenção demais e pouca espontaneidade, pouco sentimento, pouca poesia fica rígida e não acolhe – uma contradição, já que a natureza cenopoética é dialógica.

É necessário fazer arte com intenção – canalizar a energia por um projeto coletivo de desconstrução do sistema e construção de novos modos de vida e valores – de maneira intuitiva.